
Autor do livro “Magnífica e Miserável — Angola desde a Guerra Civil” e professor da Universidade de Oxford, Ricardo Soares de Oliveira segue de perto a política angolana. Comentando o resultado das eleições ao Expresso, diz que a reação da juventude é o maior fator de imprevisibilidade na sequência das eleições gerais 2022
Na manhã após a apresentação dos resultados provisórios, as instâncias oficiais apelam à sua aceitação. Há condições para os rejeitar?
Através das ações de escrutínio por parte da oposição e da sociedade civil existe sem qualquer dúvida uma base sólida para contestar os resultados oficiais, se existirem irregularidades. Mas os canais institucionais idóneos para o fazer são escassos ou inexistentes. Por razões históricas, especialmente a memória do massacre pós-eleitoral de 1992 e o receio omnipresente do poder coercivo do MPLA/Estado, a liderança da UNITA hesitará na mobilização de rua. Mas o comportamento do eleitorado mais jovem pode não obedecer a essa postura mais ponderada. Tudo dependerá da escala de vitória que o MPLA venha a anunciar: se fosse esmagadora, não teria plausibilidade, e a contestação popular poderia ganhar uma dinâmica imprevisível. As escolhas do partido no poder são, como sempre, determinantes para o futuro de Angola.
Adalberto Costa Júnior acusa as instituições de “não se distanciarem do partido único”, incluindo os tribunais com incidência no processo eleitoral. Que hipóteses tem esta contestação de provocar alterações?
Poucas hipóteses. Angola tem o mesmo partido no poder desde 1975. É um partido/Estado: a Administração Pública está penetrada pelo MPLA e não existem instituições que tenham real autonomia, quanto mais independência necessária para este papel. Aliás, um dos equívocos que frequentemente se comete em Portugal é o de apresentar os tribunais, o Ministério Público, etc., em Angola como sendo equivalentes aos de Portugal. Nada pode estar mais longe da verdade. Em suma, os mecanismos formais para a contestação dos resultados existem, mas têm levado inexoravelmente à confirmação das vitórias do MPLA. Pelo que a alteração só pode advir de uma decisão política por parte do MPLA, e de João Lourenço em particular, de fazer eleições limpas e de aceitar o seu resultado. Os resultados finais ainda não estão disponíveis, mas a aparente aceitação por parte do MPLA da vitória da UNITA em Luanda é um passo no bom sentido.
A Televisão Pública de Angola [TPA] apresentou uma sondagem dando vitória ao MPLA após emitir a conferência de imprensa da Comissão Nacional Eleitoral [CNE] em que se repetiu que só a CNE pode apresentar tais dados. Impunidade da TPA ou interesse de Estado?
Ao longo do último mês, o MPLA tem vindo a criar a narrativa da sua vitória inevitável, incluindo através do uso de sondagens fictícias. Neste sentido, a TPA (que teve um breve período liberalizante em 2017-2018) é mais uma vez uma ferramenta de propaganda ao serviço do poder. Toda a campanha eleitoral se pautou, mais uma vez, por exemplos da dominação do Estado dos media, do espaço público, dos tempos de antena. Estas condições estruturais muito restritas para a competição política em Angola deveriam ser o foco dos poucos observadores eleitorais no terreno e não apenas a eleição propriamente dita. Mas a União Africana, a SADC e a CPLP, entre outros, têm uma clara preferência pelo statu quo e estão em Angola para lhe atribuir legitimidade e não para exercer a função de observadores imparciais e equidistantes…
Adalberto Costa Júnior energizou a oposição nesta campanha. Que importância dá à capacidade da UNITA de se coligar com outros partidos? Que importância terá isso no futuro pós-eleitoral do partido?
Adalberto foi uma lufada de ar fresco que concretizou um aggiornamento da UNITA que Chivukuvuku já tinha sugerido há uma década: um discurso nacional sem laivos regionalistas ou subtextos identitários, urbano e focado nos problemas da atualidade (especialmente ao nível da governação do MPLA, porque o programa da UNITA contém poucas soluções). Neste contexto, as alianças são cruciais, não em termos de votos (o Bloco Democrático, por exemplo, não trará muitos) mas do prestígio destas vozes, que historicamente não pertencem ao mundo da UNITA, pelo contrário. De forma mais lata, a postura de “frente popular” e até de alguma abertura a uma hipotética ala reformista do MPLA permite que a UNITA se apresente como um ator tolerante e pragmático na vida política angolana.
Muito se repetiu que estas eleições abriam um novo capítulo na política angolana, mas os resultados confirmam que Angola está na mesma. Qual pode ser a reação dos mais jovens?
A frustração e desespero dos mais jovens é um fator crucial na vida política angolana. Mesmo que não se revele de forma enfática nos próximos dias, vai exprimir-se cada vez mais em termos de rejeição do MPLA, em especial se ficar no poder com resultados duvidosos e contestados. Nas conversas que tenho tido com membros do MPLA existem perspetivas diferentes sobre como o partido se deve perpetuar no poder. Mas as vozes mais lúcidas, que estariam dispostas a sair do poder de forma voluntária em caso de derrota eleitoral, são minoritárias. É difícil fazer uma democracia genuína sem uma massa crítica de democratas que aceitem a alternância. A perpetuação do MPLA no poder não apagará o espectro da governação dos últimos 20 anos. Ao contrário das promessas de 2017, e apesar de algumas reformas económicas, João Lourenço não lidou de forma decisiva com o legado da corrupção, não criou emprego e não diversificou a economia. Isto vai continuar a minar a legitimidade do statu quo e a exercer uma enorme pressão sobre o MPLA.